O bambu e a poesia
As pessoas que não entendem poesia deveriam ter um bambuzal no jardim. O bambu e a poesia são muito parecidos: neles imperam todos os mistérios da
infância, neles se percebe uma linguagem para além do racional. O bambu e a poesia compõem-se como um arco de simbolismo, têm uns verdores pênseis, umas
alturas feitas de união. Não existem sozinhos. Neles tudo é composto, coletivo. São castelos que atraem o imaginário. Lá dentro: casa de insetos, de cobras, dos monstros vários da fantasia. Lá dentro, portal para o tempo imóvel do sonho.
O bambu é pouso de pássaros, criadouro de sombras, paragem do vento. Não é à toa que meninos buscam nos bambus suportes para suas pandorgas. O vento é
irmão do bambu, nele se solidifica, se esculpe, nele se mascara de visível. Quando o vento quer aparecer, brinca nos entremeios do bambuzal. Pouca coisa é mais música que isto. A poesia tem uma irmã com o mesmo comportamento do vento: a palavra.
No bambu, o colmo oco guarda umas águas que não se sabe de onde. Surge mínimo e em tempo pouco, já domina a paisagem. Depois da bomba em Hiroshima, foram os bambus os primeiros a reverdecer sobre a tragédia. Foram os bambus que trouxeram aos homens o futuro, o nascimento imperioso do continuar sempre. Tudo isso também serve para a poesia.
O bambuzal alastra-se por baixo da terra, é um guerreiro ávido, faminto, vândalo com o solo, seus caules subterrâneos, sempre invasores, sempre trabalhando na busca de novos territórios, não desistem. Talvez por isso, o bambu não floresça. Tanto rouba da terra os nutrientes, que foi castigado a não ter flores. Alguns teimam, revoltam-se, querem sobre si uma primeira e última primavera. Para o bambu, florescer é morrer. Ainda hoje, os cientistas não compreendem bem este processo. Assim é a poesia, domina os escuros, cresce neles, às vezes aparece aos olhos e é apenas bela e necessária. Outras vezes, é mais corajosa, vai além, floresce para alma.
Sacrifica o entendimento, quer ser um cosmo onde nada pode ser aprisionado pela razão. Onde tudo é feito para acariciar os sentidos.
A poesia e o bambu são empórios de surpresas: deles saem flautas, varas de pescar, móveis, alimentos para os homens e para os lêmures, combustível, papel, estão no Taj-Mahal como estão no casebre. Estão na metrópole e dentro da floresta. Estão segurando encostas e sentimentos, despoluindo rios, decorando casas e cabeças.
Os dois são fáceis de serem vistos. São diários. Estão aos olhos, por isso as pessoas que não entendem poesia, deveriam ter um bambuzal no jardim.
Rubens da Cunha
As pessoas que não entendem poesia deveriam ter um bambuzal no jardim. O bambu e a poesia são muito parecidos: neles imperam todos os mistérios da
infância, neles se percebe uma linguagem para além do racional. O bambu e a poesia compõem-se como um arco de simbolismo, têm uns verdores pênseis, umas
alturas feitas de união. Não existem sozinhos. Neles tudo é composto, coletivo. São castelos que atraem o imaginário. Lá dentro: casa de insetos, de cobras, dos monstros vários da fantasia. Lá dentro, portal para o tempo imóvel do sonho.
O bambu é pouso de pássaros, criadouro de sombras, paragem do vento. Não é à toa que meninos buscam nos bambus suportes para suas pandorgas. O vento é
irmão do bambu, nele se solidifica, se esculpe, nele se mascara de visível. Quando o vento quer aparecer, brinca nos entremeios do bambuzal. Pouca coisa é mais música que isto. A poesia tem uma irmã com o mesmo comportamento do vento: a palavra.
No bambu, o colmo oco guarda umas águas que não se sabe de onde. Surge mínimo e em tempo pouco, já domina a paisagem. Depois da bomba em Hiroshima, foram os bambus os primeiros a reverdecer sobre a tragédia. Foram os bambus que trouxeram aos homens o futuro, o nascimento imperioso do continuar sempre. Tudo isso também serve para a poesia.
O bambuzal alastra-se por baixo da terra, é um guerreiro ávido, faminto, vândalo com o solo, seus caules subterrâneos, sempre invasores, sempre trabalhando na busca de novos territórios, não desistem. Talvez por isso, o bambu não floresça. Tanto rouba da terra os nutrientes, que foi castigado a não ter flores. Alguns teimam, revoltam-se, querem sobre si uma primeira e última primavera. Para o bambu, florescer é morrer. Ainda hoje, os cientistas não compreendem bem este processo. Assim é a poesia, domina os escuros, cresce neles, às vezes aparece aos olhos e é apenas bela e necessária. Outras vezes, é mais corajosa, vai além, floresce para alma.
Sacrifica o entendimento, quer ser um cosmo onde nada pode ser aprisionado pela razão. Onde tudo é feito para acariciar os sentidos.
A poesia e o bambu são empórios de surpresas: deles saem flautas, varas de pescar, móveis, alimentos para os homens e para os lêmures, combustível, papel, estão no Taj-Mahal como estão no casebre. Estão na metrópole e dentro da floresta. Estão segurando encostas e sentimentos, despoluindo rios, decorando casas e cabeças.
Os dois são fáceis de serem vistos. São diários. Estão aos olhos, por isso as pessoas que não entendem poesia, deveriam ter um bambuzal no jardim.