"No fundo de tudo há a aleluia." (Clarice Lispector)
domingo, 13 de março de 2011
Espiral
A maioria da gente enferma de não saber dizer o que vê e o que pensa.
Dizem que não há nada mais difícil do que definir em palavras uma espiral: é preciso, dizem, fazer no ar, com a mão sem literatura, o gesto, ascendentemente enrolado em ordem, com que aquela figura abstracta das molas se manifesta aos olhos.
Mas, desde que nos lembremos que dizer é renovar, definiremos sem dificuldade uma espiral:
é um círculo que sobe sem nunca acabar-se.
A maioria da gente, sei bem, não ousaria definir assim, e supõe que definir é dizer o que os outros querem que se diga, que não o que é preciso dizer para definir.
Direi melhor: uma espiral é um círculo virtual que se desdobra a subir sem nunca se realizar.
Mas não, a definição ainda é abstracta.
Buscarei o concreto, e tudo será visto:
uma espiral é uma cobra sem cobra enroscada verticalmente em coisa nenhuma.
(Livro do Desassossego/ Bernardo Soares
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