"No fundo de tudo há a aleluia." (Clarice Lispector)

terça-feira, 28 de julho de 2009

meia oito


"O olho com que vejo Deus é o mesmo olho com que ele me vê."( A. Silesius)
contudo,
O olho com que vejo um deus não é o mesmo olho com que ele me vê.
" A explosão da verdade gera tanta poeira, que por amor à limpeza, buscamos evitá-la". (C.Drummond)

domingo, 12 de julho de 2009

OLHAR DE PASSARINHA


O Perfume e o Veneno
Clarice Lispector

“Talvez seu tipo combine com um perfume penetrante, envolvente.
É, mas não dá certo usá-lo para um almoço ou jantar.
Você envenenará a comida, e tirará a fome das pessoas ao seu lado.
Depois de tal almoço ou jantar, haverá certa confusão: as pessoas pensarão que comeram um assado com cheiro de jasmim, digamos, ou que você tem um perfume engraçado de assado
Enfim, não dá mesmo certo.
Se seu tipo combina com perfume doce, a coisa não melhora muito.
Maionese com perfume doce? Não vai mesmo.
O que usar, então?
Um perfume bom mas que não “domina”.
Alguma coisa que de vez em quando “vem”, de vez em quando “some”.
Talvez o mesmo perfume, penetrante ou doce, sirva muito bem: depende da quantidade aplicada.”

Correio Feminino/ Editora Rocco

sábado, 4 de julho de 2009

Apólogo do Espelho

Vanitas vanitatum,
et omnia vanitas...(Ecc.,I,2)

Disse-me o Espelho: Como estás mudada!
Teus olhos que eram sóis antigamente
põem hoje, em tua face, a luz cansada
de uma lâmpada doente...
Tua boca, mais fresca que uma fonte,
murcha em teu rosto diáfano de cera,
como uma flor que vai beijar a fronte
da terra em que nascera...
Esse fio de luar, que ora aparece
por entre teus cabelos escondido,
é da alva estriga com que a morte
tece teu último vestido...
Em tua mão de porcelana clara,
teus dedos finos vão tomando o jeito
dos dedos feitos simplesmente para
cruzar-se sobre o peito...
Disse-me:
E eu louca! sem pensar, ergui-o
na ponta alucinada de meus braços,
e arremessei por terra o vidro frio,
que se fez em pedaços.
Depois, num gesto de salgueiro e pluma,
sobre eles debrucei-me;
e vi- que , em cada pedaço,
a imagem, que era apenas uma,
ficou multiplicada.

Guilherme de Almeida/Livro de Horas1928