"No fundo de tudo há a aleluia." (Clarice Lispector)

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Ode

" Pode um desejo imenso
arder no peito tanto
que à branda e à viva alma o fogo intenso
lhe gaste as nódoas do terreno manto,
e purifique em tanta alteza o espírito
com olhos imortais
que faz que leia mais do que vê escrito."

Luís de Camões
pag 190 de
"Eu cantarei de amor" , Amélia Pais
Imagem Chema Madoz

quarta-feira, 25 de julho de 2007

De Carlos para Clarice

Querida Clarice:

Que impressão me deixou o seu livro!
Tentei exprimi-la nestas palavras:

_Onde estivestes de noite
que de manhã regressais
com o ultra-mundo nas veias,
entre flores abissais ?

_Estivemos no mais longe
que a letra pode alcançar:
lendo o livro de Clarice,
mistério e chave do ar.

Obrigado, amiga! O mais carinhosos abraço de admiração do

Carlos

Rio, 5 de maio de 1974.
saudação do poeta à publicação do livro "Onde Estivestes de Noite"

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Visão do Esplendor __ Impressões Leves__”
(Clarice Lispector. 1975. Nova Fronteira.).
transcritas daqui e dali.


BRASÍLIA, 1962


“Aqui é o lugar onde o espaço mais parece com o tempo.”

“Dois homens beatificados pela solidão...
Eu sei o que os dois quiseram: a lentidão e o silêncio,
que também é a idéia que faço da eternidade.
Os dois criaram o retrato de uma cidade eterna”.
“A Beleza de Brasília são as suas estátuas invisíveis.”


BRASÍLIA: Esplendor - 1974

“Brasília é uma cidade abstrata.
Em Brasília não existe quotidiano
A catedral pede a Deus. São duas mãos abertas para receber.
Em Brasília tenho que pensar entre parênteses.
Brasília é o fracasso do mais espetacular sucesso do mundo.
Brasília é o fantasma de um velho cego com cajado fazendo toc-toc-toc.
E sem cachorro, coitado!
Mas Brasília não flui.
Ela é ao contrário.
Assim: iulf (flui)

O que é supletivo em Brasília?
Não sei não, meu senhor.

Só sei que Tudo é Nada e Nada é Tudo.

Vou reclamar para Deus.
E se Ele puder que me atenda.
Sou uma necessitada.
Saí de Brasília com uma bengala.

Deus é uma coisa engraçada:
Ele se pode a si mesmo e se precisa a si próprio..

Mas é assim mesmo que se vive:
Perdida no tempo e no espaço”

sábado, 21 de julho de 2007

DINDINHA-LUA

DINDINHA-LUA

__ “A bênção, Dindinha-Lua!
A bênção, Dindinha-Lua!”

E a lua vinha por trás da serra
redonda e branca como uma roda
de andor de carro de procissão...
Lírios choviam por sobre a terra...
Ficava tudo branco... branquinho...
telhados... casas...torres...caminho...
Ficava tudo como algodão...

E a meninada corria à rua,
gritando todos , em profusão,
olhos erguidos, erguida a mão:
__ “A bênção, Dindinha-Lua!
A bênção, dindinha-Lua!”

E a lua branca, num grande véu,
Velhinha boa, subia o céu...

__Dindinha-Lua, dá-me um vestido!...
__Dindinha-Lua, dá-me um dinheiro!
Cada menino tinha um pedido,
cada um queria pedir primeiro...

Meus amiguinhos! Que longe vão!
Que doce e grata recordação!
________

E ah! Quantas vezes, hoje, no outono
da minha vida, nesse abandono
de alma que punge desolador,
se vejo a lua nascer da serra,
redonda e branca como uma roda
de andor de carro de procissão,
sinto um aperto no coração.
E erguendo os olhos ao céu, sozinho,
digo a mim mesmo, muito baixinho,
muito comigo, cheio de ardor:

__Dindinha-Lua, dá-me um carinho!
__Dindinha-Lua, dá-me um amor!

Adelmar Tavares / Noite Cheia de Estrelas (1925-28)
/ Poesias Completas -Nova Edição .1958.



"Meu coração é uma avozinha que anda
pedindo esmolas às portas da Alegria"
......................................
Não poder viajar pra o passado,
para aquela casa e aquela afeição
E ficar lá sempre, sempre criança e sempre contente!
Álvaro de Campos

segunda-feira, 16 de julho de 2007

“Foi no dia seguinte
que entrando em casa
viu a maçã solta sobre a mesa.
Era uma maçã vermelha,
de casca lisa e resistente.
Pegou a maçã com as duas mãos:
era fresca e pesada.
Colocou-a de novo sobre a mesa
para vê-la como antes.
Era como se visse
a fotografia de uma maçã
no espaço vazio.
Depois de examiná-la,
de revirá-la,
de ver como nunca vira
a sua redondez e sua cor escarlate
__ então devagar,
deu-lhe uma mordida.
E, oh Deus,
como se fosse a maçã
proibida do paraíso,
mas que ela agora
já conhecesse o bem,
e não só o mal como antes.
Ao contrário de Eva,
ao morder a maçã
entrava no paraíso.
Só deu uma mordida
e depositou a maçã na mesa.
Porque alguma coisa desconhecida
estava suavemente acontecendo.
Era o começo __
de um estado de graça.”

“Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres.”
Clarice Lispector / N. Fronteira, 1980

domingo, 15 de julho de 2007

Apesar de


“_Lóri,
disse Ulisses,
e de repente
pareceu grave
embora falasse tranqüilo,
Lóri:
uma das coisas que aprendi
é que se deve viver
apesar de.
Apesar de, se deve comer.

Apesar de, se deve amar.
Apesar de, se deve morrer.

Inclusive muitas vezes
é o próprio apesar de
que nos empurra para a frente.
Foi o apesar de
que me deu uma angústia
que insatisfeita
foi a criadora de minha própria vida.
Foi apesar de....”

Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres
Clarice Lispector / 1980/ N.Fronteira

sábado, 14 de julho de 2007

Ostra Limão e Queda da Bastilha (nonsenses?)


“A transcendência dentro de mim...


... é o “it” vivo e mole
e tem o pensamento
que uma ostra tem.
Será que a ostra
quando arrancada
de sua raiz
sente ansiedade?
Fica quieta
na sua vida
sem olhos.
Eu costumava
pingar limão
em cima da ostra viva
e via
com horror e fascínio
ela contorcer-se toda.”

......................................


“A prece profunda
é uma meditação
sobre o nada.
É o contato
seco e elétrico consigo,
um consigo impessoal
Não gosto é
quando pingam limão
nas minhas profundezas
e fazem com que
eu me contorça toda."

"Os fatos da vida são o limão na ostra?"

"Será que a ostra dorme?"

"Como é que a ostra nua respira?"

Clarice Lispector /Água Viva
Ed. Nova Fronteira 1978
14-jul-07
14:50
Queda da Bastilha?

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Espera Impaciente




"O que chamo de morte me atrai tanto que só posso chamar de valoroso o modo como, por solidariedade com os outros, eu ainda me agarro ao que chamo vida.



Seria profundamente amoral não esperar, como os outros esperam, pela hora, seria esperteza demais a minha de avançar no tempo, e imperdoável ser mais sabida do que os outros.



Por isso, apesar da intensa curiosidade, espero." (Clarice Lispector/ A Descoberta do mundo)






( O IPê rosa da foto foi plantado em 1968, em homenagem ao nascimento de minha filha Claudia. Está
na esquina da rua Barros Monteiro com Rosa de Gusmão. Floriu 39 anos depois. Puro esplendor)





domingo, 1 de julho de 2007

"E andar na escuridão completa




à procura de nós mesmos




é o que fazemos.




Dói.




Mas é dor de parto:




nasce uma coisa que é.




É-se."






(Clarice Lispector/Água Viva)