"No fundo de tudo há a aleluia." (Clarice Lispector)

terça-feira, 21 de abril de 2009

Se alguma coisa foi....





Se alguma coisa foi por que é que não é?
Ser não é ser?
As flores do campo de minha infância não as terei eternamente
Em outra maneira de ser?
Perderei para sempre os afetos que tive, e até os afetos que pensei ter?
Há algum que tenha a chave da porta do ser, que não tem porta,
E possa abrir com razões a inteligência do mundo?

Poesias de Álvaro de Campos/Ficcções do Interlúdio (402)
Fernando Pessoa/Obra Poética

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Da Epifania dos Insights


James Joyce, William Wordsworth, Samuel Taylor Coleridge, Dante Gabriel Rossetti e muitos outros poetas e escritores passaram por momentos epifânicos; no Brasil , a grande poetisa , escritora e pensadora inigualável é Clarice Lispector ; vivíssima em toda a sua Obra Literária.
Clarice, podemos afirmar, passava dias e noites a pensar , mesmo quando não estava escrevendo, trazia sempre um caderno ao alcance das mãos , em que anotava as súbitas sensações de realizações , compreensão ou de ausência de significado.
Todas as pessoas que varam noites e dias na mania de pensar são alvo de instantes iluminantes a que se deu o nome de epifania que, na verdade, não passam de insights de onde partem vários outros insights; vários outros pensamentos ; várias outras descobertas inesperadas.
Às vezes, a escritora não prestava muita atenção naqueles insights. Todavia, depois de alguns dias, na luta do drama da linguagem , por este ou por aquele mínimo acontecimento, abriam-se as cortinas da epifania e a autora via-se assustada , mas com todos os sentidos alerta. Estes flashes de perception and insights, estes flashes epifânicos não escolhem hora nem lugar para acontecerem, para eclodirem . That is, sudden and inexpected. E, qualquer ser pensante , sensível às mínimas ocorrências pode , num abrir e fechar de olhos ter a visão da inexistência de deus. Esta visão poética pode ter sido plantada, projetada , há vários dias ou meses atrás, pela mais ínfima causa que lá naquele instante , não se tomou a devida ciência. Como ocorreu com James Joyce e outros autores--- veja-se a expressão "I just had an epyhany--- o que indica que lhe ocorrera um pensamento , uma visão que lhe foi considerado único e inspirador, de uma natureza quase sobrenatural. E aqui fica uma questão : quantos destes instantes epifânicos não teriam ocorrido com os apóstolos ? Quantos destes insights não teriam ocorrido por pessoas da Idade Média ? Todavia , no período medieval estes fenômenos de visão eram vistos como milagre ou como a manifestação de deus ou do demônio. E, não raro, estas pessoas pensativas , sensíveis sensitivas eram queimadas na fogueira , principalmente quando as epifanias não condiziam nem interessavam às crenças egemônicas , dominantes de então. Nos dias de hoje, não há mais a fogueira.
De João Batista Vota, autor e grande amigo
Imagem da Internet- Origami - Tsurus em revoada

quarta-feira, 15 de abril de 2009

"Aquilo que revelo
e o mais que segue oculto
em vítreos alçapões
são notícias humanas,
simples estar-no-mundo,
e brincos de palavra,
um não estar-estando,
mas de tal jeito urdidos
o jogo e a confissão
que nem distingo eu mesmo
o vivido e o inventado.
Tudo vivido? Nada.
Nada vivido? Tudo.
A orelha pouco explica
de cuidados terrenos:
e a poesia mais rica
é um sinal de menos."

Carlos Drummond de Andrade/POEMA-ORELHA/em Vida Passada a Limpo

terça-feira, 7 de abril de 2009

Tânatos Tanajura

Tânatos Tanajura

I
Tanajura
Flor de chuva
Chuviflor
Em revôo
De arco-íris.
Erráticas
No ar escuro
Que se aclara
Ao sol da caça.

Foi o trovão,
tanajura,
Tempo de amar,
tanajura,
Tempinho de botar ovo
e de morrer,
tanajura.

II
Corre-corre na rua
a colher na enxurrada
a chuvatanajura.


Na tonta procura,
qual a mais gordinha
rainha do reino obscuro?
Oi, tana,tana,tanajura,
morte bailante
na tarde impura.

Esta hei de guardá-la,
esta hei de querer-lhe
como ao gato, ao caramujo
de minha estimação.

Carlos Drummond de Andrade
FAREWELL