"No fundo de tudo há a aleluia." (Clarice Lispector)

domingo, 16 de maio de 2010

Guilherme de Almeida -1928

Guilherme de Almeida -1928

VERDADE
Ofereci minha alma em holocausto
à dor, buscando a solidão de um claustro,
onde, com num Oasis calmo e verde
a caravana branca mata a sede;
onde, aspirando aos céus, os corpos murchos
são como as flores de água dos repuxos;
onde a alma se levanta, quando à sombra
dos mágicos vitrais o corpo tomba,
e acompanhando o rastro do seu próprio sonho
ela gira como um heliotrópio...
Quis achar a verdade – e ainda hoje busco
a cisterna de pedras e de musgo,
onde ela dorme nua, como dormem
meus olhos dentro de uns olhos de homem.
No olhar do meu Senhor, como num poço,
procurei o reflexo misterioso
da verdade encantada; mas, no fundo,
trêmulo e pensativo como um junco,
achei apenas, num reflexo morto
a harmoniosa mentira do meu corpo!
Guilherme de Almeida -1928Livro de Horas de Sóror Dolorosa -“A que morreu de Amor”

domingo, 2 de maio de 2010

Os Espelhos


OS ESPELHOS

Os espelhos acendem o seu brilho todo o dia
Nunca são baços
E mesmo sob a pálpebra da treva
Sua lisa pupila cintila e fita
como a pupila do gato
Eles nos reflectem.Nunca nos decoram

Porém é só na penumbra da hora tardia
Quando a imobilidade se instaura no centro do silêncio
Que à tona dos espelhos aflora
A luz que os habita e nos apaga:
A luz arrancada
Ao interior de um fogo frio e vítreo

Sophia de Mello Breyner Andersen // Geografia