"No fundo de tudo há a aleluia." (Clarice Lispector)

segunda-feira, 30 de abril de 2007

O ano está com um sol de ocaso

O ano está com um sol em ocaso.



No que precede o acontecimento _ é lá que eu vivo.
Espero viver sempre às vésperas.
E não no dia.
O presente só existe quando ele é lembrança e só existe quando vai ser.
Estive à beira de compreender o tempo, eu senti que sim.
Mas logo em seguida ao leve vislumbre, tive uma espécie de medo
de penetrar sem nenhuma lógica na matéria
que me pareceu de súbito sagrada:
Não esquecer: hoje é agora.
Ressoam os tambores anunciando o sem-começo e o sem-fim.
Abrem - se as cortinas.
Eu sinto que a realidade é tridimensional.
Por quê?
Não consigo explicar.
O que sinto é no sem-tempo e no sem-espaço.
O tempo no futuro já passou.

Clarice Lispector: esboço para um possível retrato /
Olga Borelli. _ Rio de Janeiro : Nova Fronteira 1981.

domingo, 29 de abril de 2007



Eu acho que...
Ângela.
_Está amanhecendo: ouço galos.
Eu estou amanhecendo.
_O resto é a implícita tragédia do homem _ a minha e a sua?
O único jeito é solidarizar-se?
Mas “solidariedade” contém eu sei a palavra “só".

[............... ......... ,então o Autor diz:]

_Quanto a mim também me distancio de mim.
Se a voz de Deus se manifesta no silêncio, eu também me calo silencioso.
Adeus.
Recuo meu olhar minha câmera e Ângela vai ficando pequena,
pequena, menor _ até que a perco de vista.

E agora sou obrigado a me interromper
porque Ângela interrompeu a vida indo para a terra.
Mas não a terra em que se é enterrado
e sim a terra em que se revive.
Com chuva abundante nas florestas
e o sussurro das ventanias.

Quanto a mim, estou. Sim.
“Eu... eu... não. Não posso acabar.”
Eu acho que...

(Um sopro de vida: pulsações / Clarice Lispector. _Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.)

sábado, 28 de abril de 2007


Pétalas : “Entrevista-relâmpago com Pablo Neruda”


Abril de 1969.

“Cheguei à porta do edifício de apartamentos, onde mora Rubem Braga e onde Pablo Neruda e sua esposa Matilde se hospedavam __ cheguei à porta exatamente quando o carro parava e retiravam a grande bagagem dos visitantes. O que fez Rubem Braga dizer: ”É grande a bagagem literária do poeta.” Ao que o poeta retrucou: ”Minha bagagem literária deve pesar uns dois ou três quilos.”
Neruda é extremamente simpático, sobretudo quando usa o seu boné (“tenho poucos cabelos, mas muitos bonés”, disse).
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“Inteiramente sem confiança em mim mesma, dei-lhe a página onde anotara as perguntas, esperando só Deus sabe o quê .Mas o quê foi um conforto.
Disse-me que eram muito boas e que me esperaria no dia seguinte. Saí com alívio no coração porque estava adiada a minha timidez em fazer perguntas.
Mas sou uma tímida ousada e é assim que tenho vivido, o que, se me traz dissabores, tem-me trazido alguma recompensa .Quem sofre de timidez ousada entenderá o que quero dizer.
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_O que é angústia? _ indaguei-lhe.
_Sou feliz _ foi a resposta.
_Escrever melhora a angústia de viver?
_Sim, naturalmente. Trabalhar em teu ofício, se amas teu ofício, é celestial. Senão é infernal.
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_Quem é Deus?
_Todos algumas vezes. Nada, sempre.
_Como é que você descreve um ser humano o mais completo possível?
_Político, poético. Físico
_Como é uma mulher bonita para você?
_ Feita de muitas mulheres.
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_Diga alguma coisa que me surpreenda.
_748.
(e eu realmente surpreendi-me, não esperava uma harmonia de números.)
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_ O que é amor? Qualquer tipo de amor.
_A melhor definição seria: o amor é o amor.
_Você já sofreu muito por amor?
_Estou disposto a sofrer mais.
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Espontaneamente, deu-me um livro, Cem sonetos de amor. E depois de meu nome, na dedicatória, assinou: “De seu amigo Pablo.”
Na contracapa do livro diz: “Um todo manifestado com uma espécie de sensualidade casta e pagã: o amor como uma vocação do homem e a poesia como sua tarefa.”
Eis um retrato de corpo inteiro de Pablo Neruda nestas últimas frases.

A Descoberta do Mundo / Clarice Lispector _Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

domingo, 8 de abril de 2007

Eu não sei


... como a semente brota,
eu não sei
por que este céu azul,
eu não sei
para que esta minha vida
porque tudo acontece
de um modo
que a minha mente humana
desconhece.
Vivo sem explicação possível.
Eu que não tenho sinônimo.

(Clarice Lispector/ Um Sopro de Vida)


sexta-feira, 6 de abril de 2007

Curiosidades


Marilyn Monroe fu nel 1949 la prima "Regina del Carciofo" (Artichoke Queen) nel "Festival del Carciofo" (Artichoke Festival) che tutti gli anni a partire da quell'anno si celebra a Castroville in California.

Pablo Neruda, Premio Nobel per la Letteratura nel 1971, scrisse il poema Oda a la Alcachofa ("Ode al carciofo"), che è parte della raccolta Odas Elementales.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Sabor : Virtude e Delícia

Alcachofra
ou cynara scolimus,
flor imatura,
(irmã das margaridas e
dos girassóis-de-jerusalém),
saiu dos jardins
para a mesa
dos imperadores romanos,
passando , só depois,
a privilégio de nobres e Reis.
Até hoje,
desfrutá-la
exige
alguma nobreza.
Iguaria exótica
deliciada a cada pétala,
jamais devorada.
Consumir
das pétalas
a parte carnuda
e o fundo da flor,
já retirados os espinhos.
Sabor amargo
estimulante.
Suas sementes brotam
na região
do coração-bem-solto,
no alcachofrado de alcachofral.
Carmen Cynira
21 h.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Ode a Alcachofra


A alcachofra
de terno coração,
vestiu-se de guerreiro,
ereta, construiu
uma pequena cúpula,
se manteve
impermeável sob suas escamas,
do seu lado
os vegetais loucos
encresparam-se,
fizeram-se juncos
bulbos comovedores,
no subsolo
dormiu a cenoura
de bigodes vermelhos,
o vinhedo
ressecou os sarmentos
por onde sobe o vinho,
o alface
dedicou-se a experimentar saias,
o orégano
a perfumar o mundo,
e a doce alcachofra
ali na horta,
vestida de guerreiro,
brilhosa
como uma granada,
orgulhosa,
e um dia
uma com outra
em grandes cestos
de vime, caminhou
pelo mercado
a realizar o seu sonho:
a milícia.
Em fileiras
nunca foi tão marcial
como na feira,
os homens
entre legumes
com suas camisas brancas
eram
mariscais
das alcachofras,
as filas apertadas,
as vozes de comando,
e a detonação
de um caixote que cai,
mas
então vem
Maria
com seu cesto
escolhe
uma alcachofra,
não lhe teme,
a examina,
a observa
contra a luz
como se fosse um ovo,
a compra,
a confunde na sua bolsa
com um par de sapatos,
com um repolho e uma
garrafa
de vinagre
até
que entrando na cozinha
a submerge na panela.
Assim termina
em paz
esta ocupação
de vegetal armado
que se chama alcachofra,
logo
escama por escama
desvestimos
a delícia
e comemos a pacífica pasta
do seu coração verde.
Pablo Neruda/"Odes Elementais"