"No fundo de tudo há a aleluia." (Clarice Lispector)

quarta-feira, 27 de junho de 2007


A Surpresa

“Não há
homem ou mulher que por acaso
não se tenha olhado
ao espelho
e se surpreendido
consigo próprio.
Por uma fração de segundo
a gente se vê
como a um objeto
a ser olhado.
A isto
se chamaria talvez
de narcisismo,
mas eu chamaria de:
alegria de ser.
Alegria de encontrar
na figura exterior
os ecos
da figura interna:
ah, então é verdade

que eu não me imaginei,
eu existo.”

Clarice Lispector/A Descoberta do Mundo.
Nova Fronteira, 1984.

domingo, 17 de junho de 2007

ESCREVER


1968 / 14 de novembro



“Eu disse uma vez que escrever é uma maldição.
Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com sinceridade.
Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva.
Não estou me referindo muito a escrever para jornal.
Mas escrever
aquilo que eventualmente
pode se transformar num conto
ou num romance.
É uma maldição
porque obriga e arrasta
como um vício penoso
do qual é quase
impossível se livrar,
pois nada o substitui.
E é uma salvação.
Salva a alma presa,
salva a pessoa
que se sente inútil,
salva o dia que se vive
e que nunca se entende
a menos que se escreva.
Escrever
é procurar entender,
é procurar reproduzir
o irreproduzível,
é sentir até o último fim
o sentimento
que permaneceria
apenas vago e sufocador.
Escrever é também
abençoar uma vida
que não foi abençoada.
Que pena que só sei escrever
quando espontaneamente
a “coisa”vem.
Fico assim à mercê do tempo.
E, entre um verdadeiro escrever e outro,
podem-se passar anos.
Lembro-me agora
com saudade
da dor
e escrever livros.”


Clarice Lispector /A Descoberta do Mundo
Editora Nova Fronteira. 1984



sábado, 16 de junho de 2007


O que é Angústia

“Um rapaz fez-me essa pergunta difícil de ser respondida
Pois depende do angustiado.
Para alguns incautos,

inclusive, é a palavra

de que se orgulham de pronunciar

como se com ela subissem de categoria

_ o que também é uma forma de Angústia.
Angústia pode ser

não ter esperança

na esperança.
Ou conformar-se

sem se resignar.
Ou não se confessar

nem a si próprio.
Ou não ser o que

realmente se é.
Angústia pode ser o

desamparo de estar vivo.
Pode ser também

não ter coragem de se ter angústia

_ e a fuga é outra angústia.
Mas angústia faz parte:

o que é vivo,

por ser vivo,

se contrai.


Esse mesmo rapaz perguntou-me:
Você não acha que há um vazio sinistro em tudo?
Há sim.
Enquanto se espera
Que o coração entenda.”.

Clarice Lispector /A Descoberta do Mundo
Editora Nova Fronteira 1984

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Pétalas Curiosas

Os Santos Populares

A alcachofra tem seu simbolismo nas festividades juninas.
Tanto no Brasil como em Portugal
a tradição manda
que se saltem fogueiras
e se queime alcachofra,
nas vésperas de Santo Antonio,
São João e São Pedro
(para encontrar marido ou namorado!)
Depois, espetam-se as alcachofras na terra .
Se voltarem a florir,
passados alguns dias,
é sinal de amor sincero .

“Alcachofra florida
Florida te apanhei
Se o meu amor me quiser,
Amanhã de manhã
Florida te acharei.”

As moçoilas casamenteiras
vão à Fonte à meia-noite
e deixam a alcachofra
no “poial dos cântaros”
para ver se no dia seguinte floriu.


A Alcachofra floriu
Na noite de São João
Vou dizer ao meu amor
Que o amo com paixão.

http://docesaromas.blogspot.com/2005/06/quadras-populares.html
http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/5ritmos/maranhao.html
http://almocrevedaspetas.blogspot.com/

sábado, 9 de junho de 2007

Nossa Conversa



Nossa Conversa

“Da primeira vez que fui à casa de Rodin, compreendi que sua casa não era nada para ele, senão uma pobre necessidade: um abrigo contra o frio, um teto sob o qual dormir. Ela o deixava indiferente e não pesava nem um pouco sobre sua solidão ou seu recolhimento. Era em si mesmo que ele encontrava o seu lar: sombra, refúgio e paz.Ele se tornava seu próprio céu, sua floresta e seu largo rio que não podia mais interromper.”
Isso é um poeta, chamado Rilke, falando de um escultor chamado Rodin.
Talvez essas frases renovem para você o pensamento já meio gasto, mas pouco usado, de que a possível felicidade está mesmo é dentro das pessoas.
(É verdade que citar Rodin e Rilke para confirmar uma verdade quase óbvia é como quem só quisesse confessar os pecados ao papa.)
Talvez, pensando na grande criatura que foi o escultor, você diga que não se pode esperar que o pardal
(você) aprenda a voar como águia (ele).
Mas que é que um pardal tem a ensinar a outro pardal?
Naturalmente se você é um pardal felizinho voe mesmo à sua moda.
Mas se é pardal inquieto, que fica ciscando à toa, medite sobre as lições de uma águia.

Clarice Lispector/Correio Feminino
Organização de Maria Aparecida Nunes.
Rio de Janeiro:Rocco, 2006

terça-feira, 5 de junho de 2007

CIÊNCIA


Começo a ver no escuro
um novo tom
de escuro.

Começo a ver o visto
e me incluo
no muro.

Começo a distinguir
um sonilho, se tanto,
de ruga.

E a esmerilhar a graça
da vida, em sua
fuga.

Carlos Drummond de Andrade/
A VIDA PASSADA A LIMPO


domingo, 3 de junho de 2007

Intervalo

“:em menos de dois segundos
pode-se viver
uma vida e uma morte
e uma vida de novo.
Esses dois ínfimos segundos
como forma de contar
toscamente o tempo,
devem ser a diferença
entre o ser humano
e o animal:
assim como Deus talvez
conte o tempo em frações
de século dos séculos:
cada século um instante.
Quem sabe
se Deus conta
a nossa vida
em termos de dois segundos:
um para nascer
e outro para morrer.
E o intervalo,
meu Deus,
talvez seja
a maior criação do Homem:
a vida, uma vida.”

Clarice Lispector
Visão do esplendor: impressões leves.
Rio de Janeiro, F. Alves,
1975.

sábado, 2 de junho de 2007

!...

Uma gaivota que passa,
E a minha ternura é maior".

Ficções do Interlúdio/ Fernando Pessoa

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Diálogo-quase-monólogo de gaivotas solitárias


Diálogo-quase-monólogo de gaivotas solitárias



_Surgiste, meu deus, como um anjo.
_Surgiste, meu anjo, como um deus.
_Aquele raio de aurora te beijou as mãos?
_Assim este pôr-de-sol te beija agora.
_Quem és?
_Não sabes? Teu anjo.
_Então, tu és meu deus?
_Assim como tu és meu anjo.
_Voemos?
_Voemos.
_Vês as gaivotas?
_Repara nelas.
_Suaves.
_Sutis.
_Seria bom ouvi-las?
_Ah! Como seria bom!
_Tempo aberto.
_Espaço vazio.
_Tua estranheza fascina-me.
_A tua me é familiar.
_Familiar?
_Rodin, sua têmpera e vigor.
_Monet, seu olhar.
_Também?
_Também...
_Mudo e só na sombra do Infinito
_Em volta a Solidão. Mas a meus pés...
_Loucura?
_Poesia.
_Poesia?
_O ar de quem escuta o olhar. Mudez profunda.
_Calma. Fecham-se tremendo as pétalas da alma.
_Poesia?
_Loucura.
_Que queres?
_Luz pobrinha da casa de sapé, à beira de um lago.
_Noite brumosa, grilos cricrilando?
_Sapinhos e pererecas.
_Tênue luz de estrelas além das nuvens. Música?
_Bárbara Streisend, um Canto Gregoriano.
_Eu sou eu-e-minhas-circunstâncias.
_Filosofias?
_Sonhos. Sonhas?
_E fantasio.
_Também?

Carmen C(y)nira/ Não sei quando!
Texto reencontrado ,copiado e colado .
Motivação> http://barcosflores.blogspot.com/
Falta-me o crédito da Imagem.Aceito informações.