"No fundo de tudo há a aleluia." (Clarice Lispector)

domingo, 17 de junho de 2007

ESCREVER


1968 / 14 de novembro



“Eu disse uma vez que escrever é uma maldição.
Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com sinceridade.
Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva.
Não estou me referindo muito a escrever para jornal.
Mas escrever
aquilo que eventualmente
pode se transformar num conto
ou num romance.
É uma maldição
porque obriga e arrasta
como um vício penoso
do qual é quase
impossível se livrar,
pois nada o substitui.
E é uma salvação.
Salva a alma presa,
salva a pessoa
que se sente inútil,
salva o dia que se vive
e que nunca se entende
a menos que se escreva.
Escrever
é procurar entender,
é procurar reproduzir
o irreproduzível,
é sentir até o último fim
o sentimento
que permaneceria
apenas vago e sufocador.
Escrever é também
abençoar uma vida
que não foi abençoada.
Que pena que só sei escrever
quando espontaneamente
a “coisa”vem.
Fico assim à mercê do tempo.
E, entre um verdadeiro escrever e outro,
podem-se passar anos.
Lembro-me agora
com saudade
da dor
e escrever livros.”


Clarice Lispector /A Descoberta do Mundo
Editora Nova Fronteira. 1984



Um comentário:

  1. De facto , minha amiga , escrever é uma maldição benígna porque nos salva. Porque colocamos no papel um quase tudo que nos perturba o imaginágio. Nada substitui o ato de escrever. Neste ato tentamos sem raciocinar limpar as profundezas do espérito mas mesmo assim vamos canetando conscientes de que jamais poderemos reproduzir o inexplicaável. Ele se escibde atrás das não palavras.Mas escrever como limpeza é fazê-lo com toda a liberdade. Se ficamos a parar para saber se o noss Sapo escreve-se com S ou C cedilha perdemos nosso sapa nas profundezas da lagoa escura.

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