"No fundo de tudo há a aleluia." (Clarice Lispector)

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Ode a Alcachofra


A alcachofra
de terno coração,
vestiu-se de guerreiro,
ereta, construiu
uma pequena cúpula,
se manteve
impermeável sob suas escamas,
do seu lado
os vegetais loucos
encresparam-se,
fizeram-se juncos
bulbos comovedores,
no subsolo
dormiu a cenoura
de bigodes vermelhos,
o vinhedo
ressecou os sarmentos
por onde sobe o vinho,
o alface
dedicou-se a experimentar saias,
o orégano
a perfumar o mundo,
e a doce alcachofra
ali na horta,
vestida de guerreiro,
brilhosa
como uma granada,
orgulhosa,
e um dia
uma com outra
em grandes cestos
de vime, caminhou
pelo mercado
a realizar o seu sonho:
a milícia.
Em fileiras
nunca foi tão marcial
como na feira,
os homens
entre legumes
com suas camisas brancas
eram
mariscais
das alcachofras,
as filas apertadas,
as vozes de comando,
e a detonação
de um caixote que cai,
mas
então vem
Maria
com seu cesto
escolhe
uma alcachofra,
não lhe teme,
a examina,
a observa
contra a luz
como se fosse um ovo,
a compra,
a confunde na sua bolsa
com um par de sapatos,
com um repolho e uma
garrafa
de vinagre
até
que entrando na cozinha
a submerge na panela.
Assim termina
em paz
esta ocupação
de vegetal armado
que se chama alcachofra,
logo
escama por escama
desvestimos
a delícia
e comemos a pacífica pasta
do seu coração verde.
Pablo Neruda/"Odes Elementais"

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